sexta-feira, 25 de junho de 2021

Arthur Rimbaud



Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 20 de outubro de 1854 — Marselha, 10 de novembro de 1891) foi um poeta francês. Produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Paul James, à época, como o poeta de língua francesa que soube desde a qualidade dos sentidos manifestar sua poesia e predileção pela linguagem humana. Como parte do movimento decadente, Rimbaud influenciou a literatura, a música e a arte modernas. Era conhecido por sua fama de libertino e por uma alma inquieta, viajando de forma intensiva por três continentes antes de morrer de um câncer aos 37 anos de idade.


1. Vida

a) Infância e adolescência (1854-1871)

Arthur Rimbaud nasceu no seio da classe média provincial de Charleville (hoje parte de Charleville-Mézières) em Ardenas, departamento no nordeste da França. Ele foi o segundo filho de Vitalie Rimbaud (Cuif, antes de se casar) e o Capitão Frédéric, que lutou na conquista da Argélia e foi premiado com a Légion d'honneur. Logo depois que o casal teve a quinta criança (Frédéric, Arthur, Victorine [que morreu um mês depois do nascimento], Vitalie e Isabelle), o pai deixou a família. Crescendo separadamente de seu pai, pelos escritos de Rimbaud é evidente que nunca se sentiu amado por sua mãe. Quando garoto era impaciente, inquieto, porém um estudante brilhante. Pela idade de quinze anos ganhou muitos prêmios e compôs versos originais e diálogos em Latim. Em 1870 seu professor Georges Izambard se tornou o mentor literário de Rimbaud e seus versos em francês começaram a melhorar rapidamente.
Rimbaud fugia frequentemente de casa e pode ter se unido por pouco tempo à Comuna de Paris de 1871, que foi retratada em seu poema L'orgie parisienne (“A Orgia Parisiense” ou “Paris Repovoada”); pode ter sofrido violências sexuais por soldados bêbados da comuna (e seu poema Le cœur supplicié (“O Coração Torturado”) parece sugerir), tal fato é pouco provável já que Rimbaud continuou a apoiar os Comunistas escrevendo poemas que simpatizavam com suas reivindicações. Nesta época ele se tornou um anarquista, começou a beber e se divertia chocando a burguesia local com suas vestes rotas e o cabelo longo. Neste mesmo tempo escreveu para Izambard e Paul Demeny sobre seu método para atingir a transcendência poética ou o poder visionário através do “longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos.” (Les lettres du Voyant [As Cartas do Vidente]).

b) A vida com Paul Verlaine (1871-1875)

Ele retornou a Paris em setembro de 1871 por um convite do eminente poeta influenciador do simbolismo Paul Verlaine (depois que Rimbaud lhe mandou uma carta contendo vários exemplos do seu trabalho) e residiu brevemente em sua casa. Este, que era casado, apaixonou-se prontamente pelo adolescente calado, de olhos azuis e cabelo castanho-claro comprido. Enquanto é provável que Verlaine já havia tido um caso homossexual, ainda permanece incerto se o relacionamento com Verlaine foi o primeiro de Rimbaud. Os amantes levaram uma vida ociosa, regada a absinto e haxixe. Escandalizaram o círculo literário parisiense por causa do comportamento ultrajante de Rimbaud, o arquetípico enfant terrible, que durante este período continuou a escrever notáveis versos visionários.
O tempestuoso caso amoroso entre ambos levou-os a Londres em setembro de 1872, Verlaine abandonando sua esposa e um filho pequeno (ambos sofriam de abusos durante as iras alcoólicas de Verlaine). Os amantes viveram em uma pobreza considerável, em Bloomsbury e em Camden Town, desprezando uma vida de ensino e uma pensão da mãe de Verlaine. Rimbaud passou seus dias na sala de leitura do Museu Britânico onde "calor, luz, penas e tinta eram de graça".
Em junho de 1873, Verlaine voltou para Paris, tendo enfrentado dificuldade para suportar a ausência de Rimbaud. Em oito de julho, ele mandou um telegrama ao jovem poeta, lhe dando instruções para ir ao Hotel Liège em Bruxelas; Rimbaud concordou imediatamente. O encontro em Bruxelas foi péssimo; um reclamando do outro e Verlaine bebendo constantemente. Na manhã de dez de julho, Verlaine comprou um revólver e munição; à tarde, numa "fúria de bêbado", disparou dois tiros em Rimbaud, um deles ferindo o poeta de dezoito anos no pulso.
Rimbaud considerou o ferimento superficial e a princípio não acusou Verlaine. Após isto, ele e sua mãe acompanharam Rimbaud a uma estação de trem em Bruxelas, onde Verlaine se comportou como um louco. Isto fez Rimbaud sentir medo do poeta, que então se virou e foi embora. Em suas palavras "então eu [Rimbaud] implorei para um policial o prender [Verlaine]". Ele foi detido por tentativa de homicídio e submetido a um exame médico humilhante. Também foi interrogado sobre sua correspondência íntima com seu amante e sobre as acusações de sua mulher sobre a natureza de sua relação com Rimbaud, que eventualmente retirou suas queixas, porém o juiz condenou Verlaine a dois anos de prisão.
Rimbaud retornou a sua casa em Charleville e completou sua prosa Une saison en enfer (Uma Estação no Inferno), considerada pioneira nas instâncias do simbolismo moderno e escreveu uma descrição sobre sua vida de drôle de ménage (farsa doméstica) com Verlaine, seu frère pitoyable (lamentável irmão) e a vierge folle (virgem louca) por quem ele era um l'époux infernal (noivo infernal). Em 1874 retornou para Londres com o poeta Germain Nouveau e suas arrasantes Illuminações.

c) Viagens (1875-1891)

Rimbaud e Verlaine se encontraram pela última vez em março de 1875, em Stuttgart, Alemanha, depois que o último saiu da prisão e se converteu ao catolicismo. Rimbaud acabou por desistir de escrever e decidiu-se por uma vida fixa, de trabalho. Alguns especulam que ele ainda possuía vivo o seu antigo estado selvagem, enquanto outros sugerem que ele buscou ficar rico e independente para algum dia poder viver como um poeta despreocupado; de qualquer forma, continuou a viajar intensivamente pela Europa, principalmente a pé.
Em maio de 1876, ele se alistou como soldado no Exército Colonial Holandês para poder viajar livremente para Java (na Indonésia) onde, após quatro meses, desertou, retornando para a França por navio. Na residência oficial do major de Salatiga, uma pequena cidade a 46 km do sul de Samarão, capital da Província Central de Java, existe uma placa de mármore declarando que Rimbaud um dia esteve na cidade.


Em dezembro de 1878, Rimbaud chegou a Larnaca, Chipre, onde trabalhou como capataz na pedreira de uma empresa de construção. Em maio do ano seguinte, teve que deixar Chipre por causa de uma febre, que mais tarde, na França, foi diagnosticada como febre tifóide.
Em 1880, Rimbaud finalmente adaptou-se em Aden como um empregado principal na agência de Bardey. Ele teve várias mulheres nativas como amantes e por algum tempo viveu com uma amante da Etiópia.[carece de fontes] Em 1884, ele deixou o trabalho na Bardey para se tornar um mercador por conta própria em Harar, Etiópia. Notavelmente, as vendas de Rimbaud incluíam café e armas. Nesse período, fez uma grande amizade com o governador de Harar, Ras Makonnen, pai do futuro imperador da Etiópia, Haile Selassie.

d) Morte

Rimbaud desenvolveu sinovite em seu joelho direito e, subsequentemente, um carcinoma no mesmo joelho. Seu estado de saúde o forçou a partir para a França em 9 de maio de 1891, onde foi admitido num hospital em Marselha, e ali teve sua perna amputada no dia 27 de maio. No pós-operatório foi descoberto que Rimbaud sofria de câncer. Após uma curta estada na casa de sua família, voltou a viajar para a África, mas a sua saúde piorou durante a viagem, sendo readmitido no mesmo hospital em Marselha. Lá, após algum tempo de sofrimento e eventuais visitas de sua irmã Isabelle, Rimbaud morreu a 10 de novembro de 1891, com apenas 37 anos, e seu corpo foi enterrado no jazigo da família na cidade de Charleville.


2. Repercussão

A poesia de Rimbaud, bem como sua vida, impressionou escritores, músicos e artistas do século XX. Pablo Picasso, Dylan Thomas, Allen Ginsberg, Vladimir Nabokov, Bob Dylan, Patti Smith, Giannina Braschi, Léo Ferré, Henry Miller, Van Morrison e Jim Morrison foram influenciados por sua poesia e por sua vida. A vida de Rimbaud foi retratada em vários filmes. No filme Una stagione all'inferno (Uma Temporada no Inferno), de 1970, do cineasta italiano Nelo Risi, o escritor francês é interpretado por Terence Stamp e Verlaine por Jean-Claude Brialy. Em 1995, a cineasta polonesa Agnieszka Holland dirigiu Eclipse Total de uma Paixão, no qual Leonardo DiCaprio interpreta Rimbaud e David Thewlis, Paul Verlaine.

a) Críticas

Rimbaud que partiu para traficar armas de fogo no norte da África de um lado e deu cor às vogais (revista em Alquimia do Verbo) por outro, tornou-se um tipo de referência para a poesia no século seguinte: servindo como argumento à tese que nascia sobre a impossibilidade de ser considerada a dissociação entre o poeta e sua poesia.
O norte-americano Henry Miller, um dos grandes admiradores da poesia simbolista de Rimbaud, diz, diante disso, que o tipo Rimbaud chegará a superar tipos clássicos de comportamento; como o introspectivo e inquieto jovem estampado pelo personagem Hamlet, de Shakespeare. "Acho que existem muitos Rimbauds neste mundo afora e que esse número aumentará com o passar dos anos. Também acho que o tipo Rimbaud vai eliminar, do mundo futuro, o tipo Hamlet e o tipo Fausto. Até que o velho mundo desapareça por completo, o indivíduo 'anormal' tende a ser cada vez mais a regra. O novo homem só se descobrirá quando terminar o conflito entre a coletividade e o indivíduo. Aí então veremos o tipo de homem em sua plenitude e esplendor".
Já Paulo Leminski escreveu no curtíssimo ensaio "Poeta Roqueiro" que "se vivesse hoje, Rimbaud seria músico de rock" e que Rimbaud "pasmou os contemporâneos com uma precocidade poética - (escrevendo) obras-primas entre os 15 e os 18 anos". Georges Duhamel vai pela mesma picada: "O que Mallarmé não parece ter adivinhado é que o 'Viajante notável' voltaria, que ia ficar, que não pararia de crescer, que sua influência se estenderia sobre todas as gerações e que aquele garoto seria no século novo não o mestre, e sim, melhor ainda, o mensageiro, o profeta de toda uma juventude febril, entusiasta, rebelde". A imagem mais conhecida de Rimbaud, esta mesma que ilustra o verbete, reforça a ideia de enfant terrible que se relaciona à sua personalidade.




3. Os 10 melhores poemas de Arthur Rimbaud

Luiz Antonio Ribeiro - Site Notaterapia
https://notaterapia.com.br/2020/04/07/os-10-melhores-poemas-de-arthur-rimbaud/

Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês que exerceu grande influência na poesia do século XX. … Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) nasceu em Charleville, França, no dia 20 de outubro de 1854. Filho de um capitão da infantaria e de uma camponesa teve uma educação rígida. Na adolescência, se rebela e começa a escrever poemas. O autor produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Paul James, à época, como “um jovem Shakespeare”. Como parte do movimento decadente, Rimbaud influenciou a literatura, a música e a arte modernas.


Minha boêmia
(Fantasia)

Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa, eu fui teu súdito leal,
Puxa vida! a sonhar amores destemidos!

O meu único par de calças tinha furos.
– Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
– Os meus astros no céu rangem frêmitos puros.

Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti qual vinho
O orvalho a rorejar-me a fronte em comoção;

Onde, rimando em meio a imensidões fantásticas,
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas
E tangia um dos pés junto ao meu coração!


Romance

I

Não se pode ser sério aos dezessete anos.
– Um dia, dá-se adeus ao chope e à limonada,
À bulha dos cafés de lustres suburbanos!
– E vai-se sob a verde aléia de uma estrada.

O quente odor da tília a tarde quente invade!
Tão puro e doce é o ar, que a pálpebra se arqueja;
De vozes prenhe, o vento – ao pé vê-se a cidade, –
Tem perfumes de vinha e cheiros de cerveja…

II

– Eis que então se percebe uma pequena tira
De azul escuro, em meio à ramaria franca,
Picotada por uma estrela má, que expira
Em doce tremular, muito pequena e branca.

Noite estival! A idade! – A gente se inebria;
A seiva sobe em nós como um champanhe inquieto…
Divaga-se; e no lábio um beijo se anuncia,
A palpitar ali como um pequeno inseto…

III

O peito Robinsona em clima de romance,
Quando – na palidez da luz de um poste, vai
Passando uma gentil mocinha, mas no alcance
Do colarinho duro e assustador do pai…

E como está te achando imensamente alheio,
Fazendo estrepitar as pequenas botinas,
Ela se vira, alerta, em rápido meneio…
– Em teus lábios então soluçam cavatinas…

IV

Estás apaixonado. Até o mês de agosto.
Fisgado. – Ela com teus sonetos se diverte.
Os amigos se vão: és tipo de mau gosto.
– Um dia, a amada enfim se digna de escrever-te!…

Nesse dia, ah! meu Deus… – com teus ares ufanos,
Regressas aos cafés, ao chope, à limonada…
– Não se pode ser sério aos dezessete anos
Quando a tília perfuma as aléias da estrada.


A eternidade

Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.

Alma sentinela
Murmura teu rogo
De noite tão nula
E um dia de fogo.

A humanos sufrágios,
E impulsos comuns
Que então te avantajes
E voes segundo…

Pois que apenas delas,
Brasas de cetim,
O Dever se exala
Sem dizer-se: enfim.

Nada de esperança,
E nenhum oriétur.
Ciência em paciência,
Só o suplício é certo.

Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.





Manhã

Não tive eu uma vez uma juventude amável, heróica, fabulosa, para ser escrita em fôlhas de ouro, – sorte a valer! Por que crime, por que êrro, mereci a fraqueza atual? Vós que achais que animais dão soluços de dor, que doentes desesperam, que mortos tem pesadelos, tratai de narrar minha queda e meu sono. Quanto a mim, posso explicar-me tanto quanto o mendigo com os seus contínuos Pater e Ave Maria. Não sei mais falar!
Contudo, creio ter terminado hoje a narração de minha temporada no inferno. Era realmente o inferno: o antigo aquêle cujas portas o filho do homem abriu.
No mesmo deserto, à mesma noite, meus olhos cansados sempre despertam sob a estrela de prata, sempre, sem que se emocionem os Reis da vida, os três magos, o coração, a alma, o espírito. Quando iremos, além das praias e dos montes, saudar o nascimento do trabalho novo, a sabedoria nova, a fuga dos tiranos e dos demônios, o fim da superstição, adorar – os primeiros! – os primeiros! – o Natal sôbre a terra?
O canto dos céus, a marcha dos povos! Escravos, não amaldiçoemos a vida.
(tradução de Lêdo Ivo)


Canção da Mais Alta Torre

Inútil beleza
A tudo rendida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Ah! que venha o instante
Que as almas encante.

Eu me digo: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
Do que quer que seja.
Não te impeça nada,
Excelsa morada.

De tanta paciência
Para sempre esqueço:
Temor e dolência
Aos céus ofereço,
E a sede sem peias
Me escurece as veias.

Assim esquecidas
Vão-se as Primaveras
Plenas e floridas
De incenso e de heras
Sob as notas foscas
De cem feias moscas

Ah! Mil viuvezas
Da alma que chora
E só tem tristezas
De Nossa Senhora!
Alguém oraria
À Virgem Maria?

Inútil beleza
A tudo rendida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.

Ah! que venha o instante
Que as almas encante!


Vênus Anadiômene

Como de um verde túmulo em latão o vulto
De uma mulher, cabelos brunos empastados,
De uma velha banheira emerge, lento e estulto,
Com déficits bastante mal dissimulados;

Do colo graxo e gris saltam as omoplatas
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar;
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas,
E o redondo dos rins como a querer voar…

O dorso é avermelhado e em tudo há um sabor
Estranhamente horrível; notam-se, a rigor,
Particularidades que demandam lupa…

Nos rins dois nomes só gravados: CLARA VENUS;
– E todo o corpo move e estende a ampla garupa
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus.
27 de julho de 1870


Vogais

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais,
Ainda desvendarei seus mistérios latentes:
A, velado voar de moscas reluzentes
Que zumbem ao redor dos acres lodaçais;

E, nívea candidez de tendas areais,
Lanças de gelo, reis brancos, flores trementes;
I, escarro carmim, rubis a rir nos dentes
Da ira ou da ilusão em tristes bacanais;

U, curvas, vibrações verdes dos oceanos,
Paz de verduras, pas dos pastos, paz dos anos
Que as rugas vão urdindo entre brumas e escolhos;

O, supremo Clamor cheio de estranhos versos,
Silêncio assombrados de anjos e universos;
– Ó! Ômega, o sol violeta dos Seus olhos!


Os Corvos

Senhor, quando os campos são frios
E nos povoados desnudos
Os longos ângelus são mudos…
Sobre os arvoredos vazios
Fazei descer dos céus preciosos
Os caros corvos deliciosos.

Hoste estranha de gritos secos
Ventos frios varrem nossos ninhos!
Vós, ao longo dos rios maninhos,
Sobre os calvários e seus becos,
Sobre as fossas, sobre os canais,
Dispersai-vos e ali restais.

Aos milhares, nos campos ermos,
Onde há mortos recém-sepultos,
Girai, no inverno, vossos vultos
Para cada um de nós vos vermos,
Sede a consciência que nos leva,
Ó funerais aves das trevas!

Mas, anjos do ar, no alto da fronde,
Mastros sem fim que os céus encantam,
Deixai os pássaros que cantam
Aos que no breu do bosque esconde,
Lá, onde o escuro é mais escuro,
Uma derrota sem futuro.

A Estrela Chorou Rosa
A estrela chorou rosa ao céu de tua orelha.
O infinito rolou branco, da nuca aos rins.
O mar perolou ruivo em tua teta vermelha.
E o Homem sangrou negro o altar dos teus quadris.


No Cabaré Verde – Às Cindo da Tarde

Oito dias de estrada, as botas esfoladas
De tanto caminhar. Em Charleroi, desvio:
– Entro no Cabaré Verde: peço torradas
Na manteiga e presunto; que não seja frio.
Despreocupado estiro as pernas sobre a mesa
Verde e me esqueço a olhar os temas primitivos
Sobre a tapeçaria. – Adorável surpresa,
A garota de enormes tetas, olhos vivos,
– Essa, não há de ser um beijo que a afugente! –
Rindo, vem me trazer meu pedido numa
Bandeja multicor: pão com presunto quente,
Presunto rosa e branco aromado de um dente
De alho, e o chope bem gelado, boa espuma,
Que uma réstea de sol doura tardiamente.
Outubro de 1870


Fome

Meu gosto, agora se encerra
Em comer pedras e terra.
Só me alimento de ar,
de rochas, de carvão, de ferro.

Pastai o prado de feno,
Ó fomes minhas.
Chamai o gaio veneno
Das campainhas.

Comei o cascalho que seja
Das velhas pedras de igreja;
Seixos de antigos dilúvios,
Pão semeado em vales turvos.

Uiva o lobo na folhagem,
Cuspindo a bela plumagem
Das aves de seu repasto :
É assim que me desgasto.

As hortalicas, as frutas
Esperam só a colheita.
Mas o aranhão da hera
Não come senão violetas.

Que eu adormeca, que eu arda
Nas aras de Salomão.
Na ferrugem escorre a calda
E se mistura ao Cedrão.

Enfim, ó ventura, ó razão, afastei do céu o azul,
que é negro, e vivi, centelha de ouro, dessa
luz natureza. De alegria, adotava a expres-
são mais ridícula e desvairada possível :

Achada, é verdade ?!
Quem ? A eternidade.
É o mar que o sol
Invade

Observa, minh´alma
Eterna, o teu voto
Seja noite só,
Torre o dia em chama.

Que então te avantajes
A humanos sufrágios,
A impulsos comuns !
Tu voas como os…

– Esperanca ausente,
Nada de oriétur
Ciência paciência,
Só o suplício é certo.

O amanhã não vem,
Brasas de cetim.
Deves o ardor
Ao dever doar.

Achada, é verdade ?!
– Quem ? – A Eternidade.
É o amor que o sol
Invade.


Adormecido no Vale
Tradução: Ferreira Gullar

É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.

Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.

Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.

E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito.

Fontes:
https://escamandro.wordpress.com/tag/rimbaud/
https://www.escritas.org/pt/arthur-rimbaud
Poemas do livro “Poesia Completa”, de Arthur Rimbaud (tradução de Ivo Barroso), editora Topbooks.
http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet091.htm