domingo, 16 de maio de 2021

Os Miseráveis

Os Filmes




1. Sur la Barricade (1906)

Sur la Barricade 1906

L'Enfant sur la barricade é um filme mudo francês lançado em 1906.
Embora fosse uma obra da Gaumont e ela atribuísse a autoria a Étienne Arnaud, provavelmente por engano, o filme é dirigido por Alice Guy segundo a maioria das fontes. É a segunda vez que a diretora adapta Victor Hugo depois do filme La Esmeralda, lançado em 1905.
L'Enfant sur la barricade é considerada uma adaptação de Les Misérables, publicada em 1862, pelo menos através do personagem do menino que se inspiraria em Gavroche durante a revolta de junho de 1832. Mas o título e o conteúdo do filme são inspirados principalmente no poema de Victor Hugo, Sur une barricade, publicado na coleção L'Année terrible em 1872, que se refere à Comuna de Paris ocorrida um ano antes.

a) Sinopse

Em uma cozinha parisiense, um menino recebe a tarefa de sua mãe de buscar uma garrafa de leite na loja ao lado. Enquanto isso, as pessoas estão construindo uma barricada na rua, enquanto os policiais se aproximam e atiram neles. O menino aparece no meio do confronto e quase é executado ...

b) Ficha Técnica

    Título original The Child on the Barricade , On the Barricade or The Riot
    Diretora Alice Guy
    Produtora Gaumont
    País de produção França
    Formato Preto e Branco
    Duração 6 min
    Data de lançamento 1906 na França


c) Filme

L'enfant de la barricade - On the Barricade - Silent Short Film - 1906



2. Les Misérables (1935)


Les Misérables é um filme estadunidense de 1935, é a segunda adaptação para o cinema da obra de Victor Hugo.

a) Elenco

• Fredric March .... Jean Valjean
• Charles Laughton .... Inspetor Javert
• Cedric Hardwicke .... Bispo Bienvenu
• Rochelle Hudson .... Cosette
• Florence Eldridge .... Fantine
• John Beal .... Marius
• Frances Drake .... Eponine
• Ferdinand Gottschalk .... Thenardier
• Jane Kerr .... Madame Thenardier
• Marilyn Knowlden .... Cosette - criança
• Jessie Ralph .... Madame Magloire
• Mary Forbes .... Baptiseme
• Florence Roberts .... Toussaint
• Charles Haefeli .... Brevet
• John Carradine .... Enjolras
• J. P. McGowan (não-creditado)

b) Prêmios e indicações

• Recebeu 4 indicações para o Oscar, nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor Assistente, Melhor Edição e Melhor Fotografia.


3. Les Misérables (1958)


Les Misérables é um 1958 adaptação cinematográfica do romance escrito por Victor Hugo em 1862. Escrito por Michel Audiard e René Barjavel, o filme foi dirigido por Jean-Paul Le Chanois e estrelado por Jean Gabin como Jean Valjean.

a) Adaptação

O histórico do bispo é resumido brevemente, em vez de detalhado como no romance. Javert é um menino, filho de um guarda da prisão de Toulon, quando vê Valjean como um condenado. Javert chega para prender Jean Valjean quando ele está na casa de Thénardier com a intenção de levar Cosette com ele. Irmã Simplice admite Valjean e Cosette no convento em vez do Padre Fauchevent. Thénardier, disfarçado, encontra Marius e prova-lhe com a ajuda de recortes de jornais que está completamente enganado sobre o passado criminoso de Valjean.

b) Elenco

• Jean Gabin como Jean Valjean / Champmathieu
• Bernard Blier como Javert (pai e filho)
• Danièle Delorme como Fantine
• Bourvil como Thénardier
• Elfriede Florin como La Thénardier
• Giani Esposito como Marius Pontmercy
• Béatrice Altariba como Cosette
• Martine Havet como a jovem Cosette
• Silvia Monfort como Éponine
• Mireille Daix como a jovem Éponine
• Jimmy Urbain como Gavroche
• Serge Reggiani como Enjolras
• Fernand Ledoux como Monsenhor Myriel
• Isabelle Lobbé como Azelma
• Jean d'Yd como Mabeuf
• Jean Murat como Coronel Georges Pontmercy
• Lucien Baroux como Monsieur Gillenormand
• Suzanne Nivette como Mademoiselle Gillenormand
• Jacques Harden como Courfeyrac
• Marc Eyraud como Grantaire
• Werner Dissel como Brevet
• Beyert como Bahorel
• Hans-Ulrich Laufer como Combeferre
• Gérard Darrieu como Feuilly
• Pierre Tabard como Prouvaire
• Henri Guégan como Laigle
• Julienne Paroli como Madame Magloire
• Laure Paillette como Toussaint
• Madeleine Barbulée como Soeur Simplice
• Christian Fourcade como Petit Gervais
• Bernard Musson como Bamatabois
• René Fleur como o cardeal
• Ardisson as A gendarme
• Jean Ozenne como o prefeito de Montreuil
• Gerhard Bienert como o presidente do tribunal
• Harry Hindemith como Un bagnard

c) Produção

Chamada de "a versão cinematográfica mais memorável", foi filmada na Alemanha Oriental e foi abertamente política. Das muitas adaptações cinematográficas do romance, este foi considerado "o mais popular entre o público na França do pós-guerra". Uma mudança de enredo digna de nota foi feita para acomodar o fato de que os atores que desempenhavam os papéis de Valjean e Javert tinham idades distantes, ao invés de quase contemporâneos como no romance. Em vez de Javert reconhecer Valjean como um condenado que muitas vezes guardou anos antes, ele se lembra de como, quando era apenas um menino, seu pai, guarda da prisão, apontou esse homem como "o pior tipo de prisioneiro, que tentou escapar quatro vezes".

d) Liberação

O filme foi um grande sucesso na França, o segundo mais popular de 1958.
O New York Times o descreveu como um dos primeiros "blockbusters" franceses que apareceu em resposta a longas-metragens como A Volta ao Mundo em 80 Dias e Os Dez Mandamentos. Dizia que era "uma recontagem pesada de quatro horas do épico frequentemente filmado de Victor Hugo. Nenhuma página é pulada. Muito literário, ele tem a graça salvadora da representação verdadeiramente heróica de Jean Valjean por Jean Gabin, além de algumas comoventes cenas nas barricadas.


"Era um "papel quintessencial de Gabin ... o de um solitário, um estranho, geralmente um membro das ordens inferiores que pode flertar com amor e felicidade, mas sabe que não são para ele".
O filme não estreou em Nova York até julho de 1989, quando coincidiu com a celebração do bicentenário da Revolução Francesa.

e) Filmes

Les misérables 1958



Les Misérables - La Racaille et les Honnêtes Gens (1958)



4. Les Misérables (1998)


Les Misérables é um filme estadunidense de 1998, sexta adaptação para o cinema do romance Os Miseráveis, de Victor Hugo, 1862, dirigido por Bille August. Estrelado por Liam Neeson, Geoffrey Rush, Uma Thurman e Claire Danes.
Como no romance original, a trama segue a vida de Jean Valjean (Liam Neeson), um ex-condenado (em liberdade condicional após 19 anos de trabalho forçado, por roubar comida) perseguido pelo Inspetor Javert (Geoffrey Rush). Foi filmado em Barrandov Studios em Praga.

a) Sinopse

O filme conta a vida de Jean Valjean (Liam Neeson), um homem preso por roubar um pão. Posto em liberdade condicional após cumprir 19 anos, Valjean é recebido na casa de um Bispo. Ainda assim, à noite Valjean rouba a prataria do Bispo; mas quando os policiais lhe perguntam sobre o roubo, ele confirma que deu a prata a Valjean e ainda lhe dá dois castiçais. Depois de 9 anos, Valjean se torna um rico industrial e prefeito. Sua paz acaba quando Javert (Geoffrey Rush), um inspetor de polícia, que anteriormente foi um guarda da prisão onde Valjean estava, o reconhece e tem quase certeza de que o prefeito é um ex-prisioneiro que nunca se apresentou para cumprir as exigências da liberdade condicional. Enquanto isso, Fantine (Uma Thurman), uma das empregadas da fábrica de Valjean é despedida por ser mãe solteira e se vê obrigada a se prostituir para enviar dinheiro para as pessoas que cuidavam de sua filha.


Quando Javert a prende, seu ex-patrão usa sua autoridade para libertá-la e a recebe em sua casa, pois ela está doente. Javert não consegue provar a verdadeira identidade do prefeito, porque outro homem, Carnot, é confundido com ele e está prestes a ser preso. Valjean vai ao tribunal e revela sua identidade. Quando ele visita Fantine, descobre que ela está gravemente doente e, sentindo que ela pode morrer promete criar a sua filha Cosette. Quando Fantine morre, Valjean escapa de Javert, resgata Cosette dos Thénardiers e foge com ela para Paris, sendo perseguido por Javert através dos anos. Até que Javert consegue pega-lo, Valjean pensa que Javert vai o mata lo, mas ele acabe se matando. E assim Jean volta a sua "filha", Cossette. E vive sua vida.

b) Elenco

• Liam Neeson .... Jean Valjean
• Geoffrey Rush .... Javert
• Uma Thurman .... Fantine
• Claire Danes .... Cosette
• Hans Matheson .... Marius Pontmercy
• Peter Vaughan .... Bispo
• Reine Brynolfsson .... Capitão Beauvais
• Christopher Adamson .... Bertin
• Tim Barlow .... Lafitte
• Timothy Bateson .... Banqueiro
• John McGlynn .... Carnot
• Mimi Newman .... Cosette (8 anos)
• Shane Hervey .... Gavroche
• Lennie James .... Enjolras
• Jon Kenny .... Monsieur Thénardier
• Gillian Hanna .... Madame Thénardier
• Sylvie Koblizkov .... Éponine

c) Filmes

Les Miserables Trailer (1998)



Les Miserables - Opening Scene (1998)



5. Les Misérables (2012)


Les Misérables é um filme britano-estadunidense de 2012, do gênero drama musical, dirigido por Tom Hooper para a Working Title Films, com roteiro de William Nicholson adaptado do musical Les Misérables (musical), de Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert Kretzmer, por sua vez baseado no romance Os Miseráveis, de Victor Hugo.
Estrelado por Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Eddie Redmayne, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, Os Miseráveis estreou nos Estados Unidos em 25 de dezembro de 2012, em Portugal, em 3 de janeiro de 2013, e no Brasil, em 1.º de fevereiro de 2013.
Trata-se de uma celebração pelos 25 anos do musical. A produção teve início oficialmente em meados de março de 2011, e as gravações, um ano depois.

a) Enredo

A história se passa em plena Revolução de Julho do século 19 entre duas grandes batalhas: a de Waterloo e a insurreição republicana de junho de 1832. Cumprida a pena, Jean é posto em liberdade condicional com a obrigatoriedade de se apresentar regularmente, correndo o risco de passar o resto da vida preso se não o fizer. Como ex-presidiário Valjean sente-se discriminado por todos, contudo tenta recomeçar a sua vida e redimir-se do tortuoso passado. Considerando-se livre, Jean Valjean quebra a condicional resultando na fuga contínua pela perseguição do inspetor Javert (Russell Crowe).
Enquanto isso, do outro lado da França, Fantine (Anne Hathaway) enfrenta uma grande luta com sua filha Cosette. Ao viajar para o interior do país, a mãe deixa a menina com o casal Thénardier (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen), que maltratam a criança, a fazem de escrava e roubam seu dinheiro. Enquanto isso Fantine arranja emprego no interior, manda dinheiro para sua filha, enquanto o casal cobra cada vez mais e mais. Um dia um funcionário da fábrica descobre que a mesma tem uma filha ilegítima, e a expulsam do emprego em que trabalha. Desolada, e sem jeito de conseguir dinheiro, ela vende os invejados cabelos e dentes, e com mais cobrança dos vilões, ela se prostitui, porém está com Tuberculose. Por fatos ocorridos no passado, Jean Valjean conhece a doente Fantine e lhe faz a promessa de cuidar de sua filha.

b) Elenco

• Hugh Jackman como Jean Valjean, um homem marcado pela injustiça social, que ao voltar da sua prisão de dezenove anos, reergue-se e fica rico. O destino dele está cruzado ao de Fantine quando o mesmo cuida da sua filha Cosette.
• Russell Crowe, como o Inspetor Javert, fanático pela justiça persegue Jean Valjean para recapturá-lo e fazê-lo cumprir sua pena.
• Anne Hathaway como Fantine, vítima da injustiça. Foi abandonada pelo seu namorado enquanto estava grávida de Cosette. Sem ter para onde correr, volta ao interior de onde nasceu, deixando a filha sob cuidados dos Thénardier. Depois de demitida do trabalho, vende os cabelos, os dentes e se prostitui. Morre de tuberculose e é jogada em uma cova de indigente. O mesmo papel foi cotado para as atrizes Rebecca Hall e Amy Adams, porém ficou com Hathaway.
• Daniel Huttlestone como Gravoche, menino irmão de Eponine. Rejeitado pelos pais, acaba tendo que viver na rua. Morre tentando pegar munição para Marius.
• Amanda Seyfried como Cosette, filha de Fantine. Tinha belos olhos azuis, porém de tanto chorar com o seu sofrimento, os mesmos perderam a cor e se tornaram verdes. É cuidada durante a adolescência por Valjean.
• Helena Bonham Carter como Madame Thénardier, a "Vilã" da história, que desde cedo maltrata Cosette, a tornando sua escrava e roubando seu dinheiro. Porém, um dia vai a falência.
• Sacha Baron Cohen como Monsieur Thénardier, tomado muitas vezes como o "Vilão" da história, não tem amor a mais ninguém exceto a sua família.
• Eddie Redmayne como Marius, jovem revolucionário que busca o amor e vira amigo de Éponine.
• Samantha Barks como Eponine, filha sofrida do casal Thénardier que é secretamente apaixonada por Marius. Taylor Swift, Evan Rachel Wood, Lea Michele e Scarlett Johanson foram cotadas para o papel.
• Dee Bradley Baker como Person Inn
• Isabelle Allen como jovem Cosette, filha de Fantine, maltratada no começo da sua vida. Foi adotada por Valjean, que antes da morte da sua mãe, havia sido escrava doméstica enquanto morava na casa da Madame Thénardier e Monsieur Thénardier.
• Aaron Tveit como o revolucionário Enjolras, melhor amigo de Marius e líder dos Les Amis de L'ABC

c) Produção

A cantora Taylor Swift do filme "Idas e Vindas do Amor" foi dispensada do elenco. Ela viveria Eponine. Em seu lugar, foi contratada a inglesa Samantha Barks, que ficou em terceiro lugar no reality show musical 'I'd Do Anything'.


Tom Hooper anteriormente tinha sido convidado para dirigir Iron Man 3, mas recusou o pedido, e para dirigir Les Misérables. Paul Bettany tinha sido até mesmo citado para interpretar o inspetor Javert, mas o estúdio decidiu contratar Russell Crowe para fazer o inspetor. Amy Adams e Rebecca Hall também foram apontadas como candidata para o papel de Fantine, que acabou com Anne Hathaway. Emma Watson, Hayden Panettiere, Miranda Cosgrove e Lucy Hale estiveram sondadas para os papéis das jovens Eponine e Cosette, mas não foram adiante.

d) Lançamento

A primeira apresentação do longa aconteceu no dia 23 de novembro de 2012 na cidade de Nova York. O filme foi ovacionado pela crítica especializada e aplaudido de pé por todos presentes na sala do cinema. No dia seguinte, o filme foi apresentado também na cidade de Los Angeles no estado da California e novamente, recebeu boas opiniões críticas.

e) Opinião crítica

A Universal Pictures proibiu qualquer crítica ao longa até a aproximação da estreia do filme, porém alguns críticos descreveram como: "Um musical desde Chicago, nunca chegou tão próximo a conquistar o Oscar de melhor filme. Performances como dos atores Hugh Jackman e Anne Hathaway foram aclamadas, a última descrita como: "Ninguém jamais interpretou Fantine como Hathaway".

f) Prêmios e nomeações

• Vencedor do Oscar de 2013
o Melhor Filme
o Melhor Atriz Coadjuvante Anne Hathaway
o Melhor Ator Principal Hugh Jackman
o Melhor Mixagem de Som Venceu
o Melhor Maquiagem Venceu
• Vencedor do Hollywood Film Festival
o Melhor Produção
o Melhor Trailer
o Melhor Atriz Revelação Samantha Barks

g) Filmes

Les Miserables - Trailer Official International Trailer [HD] (2012)



Les Misérables - Master of the House (2012)








sexta-feira, 7 de maio de 2021

Charles Dickens





Charles John Huffam Dickens (Landport, 7 de fevereiro de 1812 – Higham, 9 de junho de 1870) foi o mais popular dos romancistas ingleses da era vitoriana. No início de sua atividade literária também adotou o apelido Boz. A fama dos seus romances e contos, tanto durante a sua vida como depois, até aos dias de hoje, só aumentou. Apesar de os seus romances não serem considerados, pelos parâmetros atuais, muito realistas, Dickens contribuiu em grande parte para a introdução da crítica social na literatura de ficção inglesa.
Entre os seus maiores clássicos estão David Copperfield e Oliver Twist.


1. Infância e juventude

Dickens nasceu numa sexta-feira na cidade de Portsmouth (condado de Hampshire, Inglaterra), filho de John Dickens, funcionário perdulário da Armada, e de esposa Elizabeth Barrow. Quando fez cinco anos, a família mudou-se para Chatham, no condado de Kent.
Descrever-se-ia a si mesmo, mais tarde, como uma criança "muito pequena e não muito mimada". Educado pela sua mãe, que lhe ensinava diariamente inglês e latim, passava muito do seu tempo a ler infindavelmente — e, com especial devoção as novelas picarescas de Tobias Smollett e Henry Fielding. Entre os livros da sua infância encontravam-se também obras de Daniel Defoe, Goldsmith, bem como o "Dom Quixote", "Gil Blas" e "As Mil e uma noites". A sua memória fotográfica serviria, mais tarde, para conceber as suas personagens e enredos ficcionais, baseando-se muito nas pessoas e acontecimentos que foram marcando a sua.

Charles Dickens em 1842

A sua família era remediada em termos económicos, o que lhe permitiu frequentar uma escola particular durante três anos. A situação piorou, contudo, quando o seu pai foi preso por dívidas, depois de gastar os recursos da família no afã de manter uma posição social periclitante. Com dez anos de idade, a família mudou-se para o bairro popular de Camden Town em Londres, onde ocupavam quartos baratos e, para fazer face aos gastos, empenharam os talheres de prata e venderam a biblioteca familiar que tinha feito as delícias do jovem rapaz. Com doze anos, Dickens já tinha a idade considerada necessária para trabalhar na empresa Warren’s onde se produzia graxa para os sapatos com betume, junto à actual Estação ferroviária de Charing Cross. O seu trabalho consistia em colar rótulos nos frascos de graxa, ganhando, por isso, seis xelins por semana. Com o dinheiro, sustentava a família, encarcerada na prisão para devedores, em Moure onde ia dormir.
Alguns anos depois, a situação financeira da família melhorou consideravelmente, graças a uma herança recebida pelo seu pai. A sua família deixou a prisão, mas a mãe não o retirou logo da fábrica, que pertencia a um amigo. Dickens jamais perdoaria à mãe por essa injustiça. O tema das más condições de trabalho da classe operária inglesa


2. Início de carreira

Em agosto Dickens começou a trabalhar num escritório, emprego que lhe poderia valer, mais tarde, a posição de advogado. Não gostou, no entanto, do trabalho nos tribunais e, depois de aprender taquigrafia, foi, por um breve período, estenógrafo do tribunal. Com dezoito anos de idade, começou outro período de leituras intensas tendo-se inscrito na biblioteca do British Museum. Por esta altura, apaixona-se pela filha de um banqueiro, Maria Beadnell. Os pais da menina desaprovaram, contudo, o idílio amoroso devido ao passado dos pais de Dickens. A própria Maria tornar-se-á indiferente a Charles depois de uma viagem "educativa" à França. Dickens levará um ano a superar este desgosto amoroso.


Tornou-se, depois, jornalista, começando como cronista judicial e, depois, fazendo relatos dos debates parlamentares e cobrindo as campanhas eleitorais pela Grã-Bretanha fora, de diligência. Os seus Sketches by Boz ("Esboços de Boz" — Boz era a alcunha do seu irmão mais novo que não era capaz de pronunciar devidamente "Moses" — Moisés, em inglês) são fruto desta época e são constituídos por pequenas peças jornalísticas em forma de retratos de costumes, originalmente escritas para o "Morning Chronicle" em 1833. Ao longo da sua carreira, Dickens continuou, durante muito tempo, a escrever para jornais.
Com pouco mais de vinte anos, o seu The Pickwick Papers (Os Documentos Póstumos do Clube Pickwick) estabeleceu o seu nome como escritor. A ideia inicial desta obra era que Dickens escrevesse comentários a ilustrações desportivas. De 1831 a 1834, a New Sporting Magazine comprovou o sucesso desta receita editorial com a sua série "Jorrock´s Jaunts and Jollities" sobre um comerciante cockney que quer a todo o custo ser reconhecido como o bom caçador que não era. Querendo seguir a mesma ideia, Robert Seymour propôs aos editores Chapman and Hall criar uma série semelhante sobre um tal de "Clube Nimrod" (Nimrod é uma personagem bíblica descrita como sendo um grande caçador) onde também se troçaria dos caçadores inexperientes, mas cheios de si mesmos. Procuraram-se escritores para "complementar" as imagens com textos.

The Pickwick Papers

A terceira opção, perante a recusa dos dois primeiros, era Dickens, que escrevera os seus Esboços para a mesma editora. Dickens rapidamente tomou conta do projecto e rejeitou a ideia de um clube de caçadores — a ideia não lhe agradava. Criou, pelo contrário, um clube de observadores de curiosidades, o que afastou definitivamente o ilustrador que tivera a ideia inicial, Seymour, que viria a suicidar-se na sequência destes acontecimentos. Procurou-se outro ilustrador. É curioso que tenha sido rejeitado um tal de William Makepeace Thackeray que se tornaria outro vulto de importância no romance vitoriano (geralmente colocado logo a seguir a Dickens, na opinião de muitos estudiosos da literatura inglesa — ou mesmo superior a Dickens, na opinião de outros). O novo ilustrador, conhecido pela alcunha de Phiz, deu conta do recado.


3. A fama

Ilustração da primeira edição de "A Christmas Carol"

A 2 de Abril de 1836 (três dias depois da publicação do primeiro fascículo de "Pickwick"), casou-se com Catherine Hogarth, com quem teve dez filhos. A recepção do público a Pickwick não foi calorosa desde o início. Só quando aparece a personagem de Sam Weller, o criado de Pickwick e que acompanha as aventuras do seu amo ao jeito de um Sancho Pança ao lado de Dom Quixote, é que as vendas sobem de 400 exemplares para 40 000.
Em 1838, em decorrência do sucesso de Pickwick, propõe a publicação de Oliver Twist onde, pela primeira vez, apontava para os males sociais da era vitoriana. O romance, divulgado em folhetins semanais, terá também o seu ilustrador: Cruikshank.

Catherine Dickens

Em 1842 viajou com a sua esposa para os Estados Unidos. A viagem foi descrita, depois, no curto relato de literatura de viagens American Notes, existindo também influências da mesma em alguns episódios de Martin Chuzzlewit. Ao entusiasmo com que foi recebido, de início, nos Estados Unidos, seguiu-se uma estadia menos calorosa, devido às críticas que teceu à política editorial deste país, acusando os editores de plágio em relação à literatura produzida na Grã-Bretanha.
Em 1843, publicava o seu mais famoso livro de Natal, "A Christmas Carol" ("Canção de Natal"), ao qual se seguiriam outros, com a mesma temática, como "The Chimes" (1844), que escreveu em Génova na sua primeira grande viagem ao estrangeiro (se descontarmos a breve incursão aos Estados Unidos). Em 1845, "The Cricket on the Hearth" ("O Grilo da lareira") torna-se também um dos seus maiores sucessos natalícios.


Em 1848, publicava "Dombey and Son", escrito principalmente no estrangeiro, onde descreve o meio dos transportes ferroviários — outro tema estreitamente relacionado com a Revolução Industrial que conformava a sociedade vitoriana.
Em 1849 publicou aquele que viria a ser o mais popular dos seus romances, David Copperfield, onde se inspirava, em grande parte, na sua própria vida. As amizades literárias de Dickens incluíam, em 1854, Thomas Carlyle, a quem dedicará o seu romance "Tempos Difíceis".
A revista semanal Household Words, onde viria a publicar, em folhetins, alguns dos seus romances, foi fundada também por ele, em 1850, e chegou a vender 40 mil cópias por semana. A revista seria reformulada em 1859, mudando de nome para "All the year round".

David Copperfield

Os livros de Dickens tornaram-se extremamente populares na época e eram lidos com grande expectativa por um público muito fiel à sua escrita. O seu sucesso permitiu-lhe comprar Gad’s Hill Place, perto de Chatham, em 1856. Esta casa fazia parte do imaginário de Dickens, desde que por ela tinha passado, em criança — sonhando que um dia poderia lá viver. O local tinha ainda um significado especial porque algumas cenas do Henrique V de Shakespeare localizam-se nesta mesma área. Essa referência literária agradava de sobremodo a Dickens.


4. Últimos anos de vida

Após 22 anos de casamento, o escritor teve um caso com uma jovem atriz e decidiu que estava cansado da sua esposa, que havia gerado e criado os seus dez filhos.
Dickens separou-se da sua mulher em 1858. O divórcio era um ato altamente reprovável durante a era vitoriana, principalmente para alguém com a notoriedade dele. Continuou, contudo, a pagar-lhe casa e sustento durante os restantes anos em que ela viveu. Ainda que tivessem sido felizes no seu início de vida conjugal, Catherine parecia não partilhar a energia de viver sem limites de Dickens.
[
Oliver Twist

O trabalho de cuidar dos dez filhos do casal, aliado à pressão resultante de ser a esposa e dona de casa de um romancista mundialmente reconhecido não ajudava. A sua irmã, Georgina, tinha mudado para casa de Dickens, para ajudar Catherine no seu trabalho doméstico — há, contudo, rumores de que teve um caso amoroso com o cunhado. Georgina manteve-se com Dickens após a separação para cuidar dos filhos do casal. Podemos encontrar um indício da insatisfação marital de Charles num encontro que este teve em 1855 com Maria Beadnell, o seu primeiro amor.
Dickens tentou internar a mulher num manicómio, mas o médico Thomas Harrington Tuke que trabalhava como superintendente no Sanatório Manor House, em Londres, entre 1849 e 1888 recusou. Mais tarde, o romancista chegou a referir-se a Tuke como um “ser miserável” e um “jumento médico”.
[
Um Conto e Natal

A 9 de Junho de 1865, estando de regresso de França, onde fora visitar Ellen Ternan, Dickens viu-se envolvido no acidente ferroviário de Staplehurst, em que as seis primeiras carruagens do comboio caíram de uma ponte em reparação. A única carruagem de primeira classe que se manteve na linha foi, por coincidência, aquela onde seguia Dickens. O escritor mostrou-se ativo a cuidar dos feridos e moribundos antes de chegarem os esforços de salvamento. Quando se preparava para abandonar o lugar trágico lembrou-se, ainda a tempo, de que tinha deixado dentro do comboio o manuscrito inacabado do seu romance Our Mutual Friend (O nosso amigo comum) e voltou à carruagem para o buscar.
Já que se tornaria público que seguia viagem com Ellen Ternan e a sua mãe, a opinião púbica rapidamente a apontaria como a causa da separação de Catherine. Ellen foi, para todos os efeitos, a mulher que acompanhou Dickens até ao final dos seus dias, apesar de a união nunca ter sido reconhecida oficialmente.

Ellen Lawless Ternan

Ainda que tivesse escapado ileso do acidente, nunca chegou a recuperar totalmente do choque. Isso é evidente no ritmo da sua produção que decresce bastante depois deste episódio. Levará algum tempo a completar Our Mutual Friend e a começar a sua obra incompleta, The Mystery of Edwin Drood, onde se notam influências de Wilkie Collins, que fazia parte do círculo de amigos de Dickens e que é considerado um dos pioneiros do romance policial. A partir de 1858, os seus últimos anos de vida serão ocupados principalmente com leituras públicas. Esse género de espectáculos, que consistia apenas em ouvir Dickens a ler as suas suas obras mais conhecidas, tornaram-se incrivelmente populares.

Eastgate House – Casa de Charlers Dickens

Note-se que na altura era comum ler em voz alta em família ou em grupos — a leitura expressiva era muito valorizada. E Dickens, com a sua interpretação apaixonada e a forma como se entregava à narração, não só arrebatava gargalhadas (e, principalmente, lágrimas) das audiências, como se arrebatava a si mesmo, exaurindo as suas forças. O esforço despendido nestes espectáculos é, muitas vezes, apontado como uma das causas da sua morte. Em 1867 foi convidado a voltar aos Estados Unidos para uma digressão das suas leituras.
Morreu de morte cerebral em junho de 1870. Foi sepultado no Poets' Corner ("Esquina dos Poetas"), na Abadia de Westminster. Na sua sepultura está gravado: "Apoiante dos pobres, dos que sofrem e dos oprimidos; e com a sua morte, um dos maiores escritores de Inglaterra desaparecia para o mundo.".


Na década de 1980, a histórica Eastgate House (casa Eastgate), em Rochester, em Kent, foi convertida num museu dedicado a Charles Dickens. Anualmente realiza-se na cidade o Festival Dickens. A casa onde nasceu, em Portsmouth é, também, um museu atualmente.

a) Filhos

Teve dez filhos de Catherine Thompson Hogarth, os nomes remetem quase sempre para referências literárias:

  • Charles Culliford Boz Dickens (6 de janeiro de 1837 – 1896)
  • Mary Angela Dickens (6 de março de 1838 – 1896)
  • Kate Macready Dickens (29 de outubro de 1839 – 1929)
  • Walter Landor Dickens (8 de fevereiro de 1841 – 1861)
  • Francis Jeffrey Dickens (15 de janeiro de 1844 – 1886)
  • Alfred D'Orsay Tennyson Dickens (28 de outubro de 1845 – 1912)
  • Sydney Smith Haldimand Dickens (18 de abril de 1847 – 1872)
  • Henry Carl Potchovesk Dickens Molovei (15 de janeiro de 1849 – 1933)
  • Dora Annie Dickens (16 de agosto de 1850 – 1851)
  • Edward Bulwer Lytton Dickens (13 de março de 1852 – 1902)


5. Obra

a) Contexto social

Quando Dickens começa a publicar os seus romances, tem à sua disposição um público formado pela revolução industrial. Londres tem mais de um milhão e meio de habitantes, devido à explosão demográfica e a um êxodo rural que expulsa os camponeses dos seus terrenos que ficam cercados em "enclosures" dedicadas à pecuária, mais especificamente, à criação de ovinos. A indústria têxtil servirá de emprego para estes espoliados. O trabalho infantil torna-se uma das características mais pungentes da economia inglesa. Em 184], Engels publicará "A situação da classe operária em Inglaterra", onde toda esta situação é analisada. Dickens aflorará estes problemas, é certo, mas conquistará o público burguês porque não se assumirá nunca como um revolucionário. As suas personagens, quando melhoram de vida, devem essa melhoria às circunstâncias e acasos da vida, mais que à sua luta pela justiça social.
Por outro lado, a população anglófona é a mais alfabetizada do mundo. Por isso, Dickens terá um público potencial muito alargado, não só na Grã-Bretanha como além do Atlântico.

b) Características gerais

A escrita de Dickens é caracterizada por um estilo poético.
A maior parte dos principais romances de Dickens foram escritos mensal ou semanalmente, em episódios publicados em jornais como o Household Words e que depois foram reunidos nas obras completas, tal como as conhecemos actualmente. A publicação em episódios separados tornava as histórias mais acessíveis a um público mais extenso que ia aumentando à medida que as situações por resolver se sucediam, episódio por episódio, criando expectativa entre o público. O talento de Dickens residia também nesta sua capacidade em aliar uma narrativa episódica a um romance coerente na sua totalidade. Os episódios mensais eram acompanhados de ilustrações de vários artistas.
A sua escrita manteve sempre um alto nível de qualidade, sem se distanciar de um estilo tipicamente "dickensiano" que não era incompatível com a experimentação de novos temas e géneros. A reacção do público a estas experiências era irregular — e mesmo as críticas e a percepção pública da sua obra variou ao longo do tempo. A publicação dos seus textos em periódicos permitia-lhe auscultar as reacções do público à sua escrita, de forma que podia mudar o rumo à narrativa, de acordo com o que o público esperava ou não. Um bom exemplo encontra-se em Martin Chuzzlewit, onde foram incluídos episódios passados na América, em resposta ao decréscimo nas vendas dos primeiros capítulos. Em Our Mutual Friend, a inclusão da personagem Riah, retratando positivamente uma personagem judia, resultou das críticas à personagem de Fagin no seu Oliver Twist.
Os romances de Dickens eram, entre outros aspectos, obras de crítica social. Nas suas narrativas são tecidos comentários ferozes a uma sociedade que permitia a pobreza extrema, as más condições de vida e de trabalho e a estratificação social abrupta da era vitoriana, a par de uma empatia solidária pelo homem comum e uma atitude céptica em relação à alta sociedade.
A escrita de Dickens é hoje considerada excessivamente sentimentalista e melodramática: a morte de personagens de quem gostamos particularmente, como a pequena Nell em The Old Curiosity Shop ("Loja de antiguidades"), ou a costureirinha do "Conto de Duas Cidades", são exemplo disso. Mesmo quando a história tem características marcadamente pungentes para as principais personagens, como em Bleak House ("Casa Desolada"), Dickens tentava equilibrar o conjunto com personagens e situações satíricas e que permitiam sorrisos e gargalhadas no meio das lágrimas derramadas pela triste sorte das outras personagens. Outra crítica recorrente ao estilo de Dickens refere-se à inverosimilhança do enredo que se sustenta quase sempre em coincidências muito pouco prováveis. Se é assim, de facto, a verdade é que Dickens procurava, acima de tudo, o entretenimento e não o realismo. Pretendia, de certa forma, recuperar o espírito do romance gótico e das novelas picarescas que lia na sua juventude. Efectivamente, quando escrevia um romance mais realista, a recepção do público mostrava-se bastante mais fria e indiferente. Além do mais, não era a sua própria história algo inverosímil, com as suas constantes reviravoltas (uma infância feliz seguida de pobreza, depois, uma herança inesperada e, finalmente, fama internacional e reconhecimento público)? Afinal, estão constantemente a acontecer histórias inverosíméis no mundo…
É normal que um escritor incorpore elementos autobiográficos nas suas narrativas ficcionais. O caso torna-se particularmente interessante em Dickens, até porque este sempre teve a preocupação de velar aquilo que considerava vergonhoso no seu passado. As muitas cenas de tribunal que aparecem em "A Casa sombria" são bem reveladoras do seu passado como cronista judicial. Em "A Pequena Dorrit" volta a aparecer o tema da prisão para devedores — onde Marshalsea, onde a sua família esteve retida, também serve de espaço narrativo. Pensa-se também que a pequena Nell de a Loja de Antiguidades poderá representar a sua cunhada. O pai de Nicholas Nickleby e Wilkins Micawber são directamente inspirados no seu pai. Pip, a personagem principal de Grandes Esperanças, com a sua mistura de pedantismo e remorsos, é semelhante ao próprio Dickens. Ele era um péssimo escritor antes e depois virou um ótimo.

c) Temas e personagens

Os temas mais recorrentes em Dickens correspondem a uma vontade de reformar a sociedade exploradora que pertencia e que se concretizava nos asilos para órfãos, nos locais de trabalho degradados, nas escolas que mais se assemelhavam a locais de tortura e no ambiente sórdido das prisões.
Ao comparar os órfãos a acções da bolsa, pessoas a barcos rebocadores, ou convidados para jantar a peças de mobília, Dickens conseguia resumir numa imagem o que descrições mais complexas não conseguiriam transmitir. Satirizou o pedantismo da aristocracia britânica com especial sarcasmo, usando imagens semelhantes a estas.
As próprias personagens estão entre as mais memoráveis da literatura em inglês. Ebenezer Scrooge, Fagin, Mrs. Gamp, Wilkins Micawber, Pecksniff, Miss Havisham, Wackford Squeers, entre outros, são tão conhecidos do público anglófono que quase se assumem como identidades próprias (Scrooge, por exemplo, deu origem ao Tio Patinhas). As excentricidades destas personagens não monopolizam, contudo, a narrativa. Algumas destas personagens são grotescas, seguindo o estilo do romance gótico do século XVIII, que Dickens também apreciava, ainda que, na altura, o gênero já fosse um pouco ridicularizado (por exemplo, através de Northanger Abbey, de Jane Austen, que parodia este tipo de romance). Pode-se considerar, todavia, como a mais onipresente das personagens de Dickens, a própria cidade de Londres, revelando aspectos que só poderiam ser descritos por quem conhecesse profundamente cada rua da cidade.
A delinquência provocada geralmente por pessoas órfãs e pela exploração desenfreada do ser humano por outros seres humanos é o ingrediente base de Oliver Twist e "Nicholas Nickleby", onde faz também a denúncia das condições de muitos estabelecimentos de ensino. "Casa Sombria" será um libelo contra a corrupção e a ineficiência do sistema jurídico inglês, tal como em "A pequena Dorrit". Menos conhecido, este romance é uma obra prima de sátira acerba, recheada de enganos, além de contar a típica história do pobre que enriquece.
Aventurou-se também pelo romance histórico, de que é exemplo "Barnaby Rudge", de 1841 — a obra é, contudo, dominada pela ficção e apenas em alguns pontos serve o desígnio do que se costuma chamar "romance histórico". De facto, nenhuma das personagens tiveram existência real, excetuando Lord Gordon. O seu "Conto de duas cidades", sobre a Revolução Francesa, de cariz diverso do resto da sua obra é, contudo, um dos mais celebrados romances históricos ingleses.
Dickens era fascinado pelo teatro, que considerava como uma forma de refúgio psicológico perante as adversidades da vida. Em Nicholas Nickleby aparecem personagens ligadas ao meio teatral. A mulher que o acompanhou nos últimos anos de vida era atriz, e ele mesmo teve uma carreira ligada ao palco, durante as suas leituras públicas dos seus próprios romances, que o levou a percorrer a Grã-Bretanha e os Estados Unidos em digressões muito concorridas. Sua escrita, ao conjugar realidade com fantasia, a crítica social com o melodrama, e a reflexão sobre o destino humano com o humor. Outros, porém, consideram David Copperfield o seu melhor romance — é também aquele onde se encontram mais elementos autobiográficos.


6. Legado

A sua popularidade pouco decresceu desde a sua morte. Continua a ser um dos autores ingleses mais lidos e apreciados. Pelo menos cerca de 180 filmes e adaptações para televisão das suas obras documentam ainda o seu sucesso entre o público actual. Já durante a sua vida se tinham adaptado algumas das suas obras para o palco. Em 1913 já os produtores cinematográficos se lançavam na produção de um filme mudo denominado The Pickwick Papers. As suas personagens eram de tal forma sugestivas que pareciam ganhar vida própria, tornando-se, mesmo, proverbiais. A língua inglesa ganhou alguns neologismos à sua conta. "Gamp" é um termo usado na gíria para "guarda-chuva", devido a uma personagem — a senhora Gamp. "Pickwickiano", "Pecksniffiano", etc., podem ser usadas para se referir ao mesmo tipo de pessoa que as personagens referidas.
O seu conto "Canção de Natal" é talvez a sua história mais conhecida. As adaptações são inúmeras, para quase todos os gêneros de comunicação: cinema, banda desenhada, televisão, teatro, outras adaptações literárias, etc., criam um fenómeno de popularidade que transcende a obra original. Segundo alguns, esta história, patética, moralista e bem-humorada, resume o verdadeiro significado do Natal, eclipsando todas as outras histórias de Dickens sobre o tema.
Numa altura em que o Império Britânico era a maior potência política e económica do mundo, Dickens conseguiu apontar para a vida dos esquecidos e desfavorecidos, mesmo no coração do império. Na sua breve carreira de jornalista já tinha batalhado pelo saneamento básico e pelas condições de trabalho, mas foram, claramente, as suas obras ficcionais que mais despertaram a opinião pública para estes problemas. À conta de um contexto literário bem-humorado e de vendas avultadas, denunciava a vida agreste dos pobres e satirizava os indivíduos que permitiam que tais abusos continuassem e conseguia mover opiniões. Crê-se que a sua influência foi importante para o fecho das prisões de Marshalsea e da Prisão de Fleet.
Dickens terá tido, talvez, a esperança de ver nos seus 10 filhos o início de uma dinastia literária, pelo facto de todos terem nomes que remetem para a história da literatura inglesa. Seria, efectivamente, difícil aproximar-se sequer do sucesso do seu pai. Alguns parecem ter herdado do pai de Dickens a tendência para esbanjar o dinheiro. Alguns escreveram as suas memórias, centradas, claro está, na figura do pai, além de organizarem a sua correspondência de forma a poder ser publicada. Apenas a sua bisneta, Monica Dickens, seguiria as suas pegadas, e dedicar-se-ia à escrita de romances.
A própria era vitoriana pode-se designar de era dickensiana, se pensarmos na forma como foi perenemente descrita por este escritor. Depois da sua morte em 1870 a literatura inglesa tornou-se muito mais realista, talvez em reacção à tendência de Dickens para o picaresco e o ridículo. Outros romancistas da era vitoriana que o seguiram, como Samuel Butler, Thomas Hardy ou George Gissing demonstram-se claramente influenciados por Dickens, ainda que a sua escrita seja mais sóbria e menos melodramática.
Dickens continua, contudo, a ser um dos mais geniais criadores da literatura mundial de todos os tempos, sendo dificilmente superado na popularidade e acessibilidade da sua escrita.
No cinema português podemos contar com a adaptação do seu "Hard Times" por João Botelho (no filme "Tempos Difíceis").
Encontra-se colaboração da sua autoria, publicada postumamente na revista A Leitura (1894–1896).



7. Obras

a) Romances principais

  • The Pickwick Papers ("As aventuras do Sr. Pickwik") (1836)
  • Oliver Twist (1837)
  • Nicholas Nickleby (1838–1839)
  • The Old Curiosity Shop ("Loja de Antiguidades") (1840–1841)
  • Barnaby Rudge (1841)
  • Os Livros de Natal:
      o A Christmas Carol ("Canção de Natal" ou "Um cântico de Natal") (1843)
      o The Chimes (1844)
      o The Cricket on the Hearth (1845)
      o The Battle of Life (1846)
      o The Haunted Man and the Ghost's Bargain (1848)
  • Dombey and Son (1846–1848)
  • David Copperfield (1849–1850)
  • Bleak House ("A Casa Abandonada", "Casa desolada" ou "Casa sombria") — (1852–1853)
  • Hard Times ("Tempos Difíceis") (1854)
  • Little Dorrit ("A Pequena Dorrit") — (1855–1857)
  • A Tale of Two Cities ("Um conto de duas cidades") (1859)
  • Great Expectations ("Grandes Esperanças") — (1860–1861)
  • Our Mutual Friend (1864–1865)
  • The Mystery of Edwin Drood (inacabado) (1870)

b) Contos

  • "A Christmas Carol"
  • "A Message from the Sea"
  • "Doctor Marigold"
  • "George Silverman’s Explanation"
  • "Going into Society"
  • "Holiday Romance"
  • "Hunted Down"
  • "Mrs. Lirriper’s Legacy"
  • "Mrs. Lirriper’s Lodgings"
  • "Mugby Junction"
  • "Perils of Certain English Prisoners"
  • "Somebody’s Luggage"
  • "Sunday Under Three Heads"
  • "The Child’s Story"
  • "The Haunted House"
  • "The Haunted Man and the Ghost’s Bargain"
  • "The Holly-Tree"
  • "The Lamplighter"
  • "The Seven Poor Travellers"
  • "The Signalman"
  • "The Trial for Murder"
  • "Tom Tiddler’s Ground"
  • "What Christmas Is As We Grow Older"
  • "Wreck of the Golden Mary"

c) Outros

  • Sketches by Boz (1836)
  • American Notes (1842)
  • A Child's History of England (1851–1853)


8. Filmes


Oliver! - Trailer (1968)



Oliver Twist - Please Sir, I want some more - Scene Clip (2005)



Os Fantasmas de Scrooge - Trailer



David Copperfield - Official Trailer (1935)



David Copperfield – TV Movie Trailer (2000)



Por que Charles Dickens é tão extraordinário e atual?







domingo, 2 de maio de 2021

Os Miseráveis

Resenha


Voando com Livros
Por Kelly Rossi
https://www.voandocomlivros.com/post/os-miseraveis-resenha


    Título Os Miseráveis
    Autor Victor Hugo
    Tradução Regina Célia de Oliveira
    Editora Martin Claret
    Gênero Romance Histórico
    Páginas 1512
    Local São Paulo, 2014
    ISBN 978-85-440-0000-7
    Classificação ⭐⭐⭐⭐⭐


1. Sinopse

Traduzido por Regina Célia de Oliveira, tradutora juramentada, formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e pela Aliança Francesa de São Paulo. Com introdução de Jean Pierre Chauvin, Pesquisador de Pós-Doutorado, junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Autor de O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis (2005), entre outros. É afiliado à União Brasileira de Escritores. Um clássico da literatura mundial, esta obra é uma poderosa denúncia a todos os tipos de injustiça humana. Narra a emocionante história de Jean Valjean — o homem que, por ter roubado um pão, é condenado a dezenove anos de prisão. Os miseráveis é um livro inquietantemente religioso e político, com uma das narrativas mais envolventes já criadas.

Enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.

Lindamente comovente! "Os Miseráveis" é uma obra de arte pintada com palavras. Usando como pano de fundo a batalha de Waterloo e os motins de 1832 que aconteceram em Paris, Victor Hugo desenha personagens inesquecíveis e marcantes. O autor escreve com sua filosofia política de fácil entendimento. Ele aborda a desigualdade social e a miséria; o poder benéfico do empreendedorismo e do trabalho para o indivíduo e para a sociedade; o desequilíbrio do Estado com conflitos pela obsessão da justiça entre a polícia e o revolucionário; e o milagre do amor e da entrega para com o próximo. O protagonista utópico Jean Valjean, que se transforma e evolui ao longo da história de maneira tão esplêndida, faz o nosso coração apertar. A todo momento aprendemos com ele que escolher o caminho mais fácil e mais confortável nem sempre é a melhor solução. Existe um algo a mais em tudo que fazemos, mas muitas vezes é difícil de compreender. A consciência é o caminho que percorre nosso ilustre Valjean e o amor é a luz que o guia.


2. Fantine – Primeira Parte

Comovente e triste, "Fantine" é o título da primeira parte do livro “Os Miseráveis”.
Victor Hugo apresenta a história do povo, dos menos favorecidos, sempre costurando a ficção com fatos históricos. Em “Fantine”, conhecemos o Senhor Myriel, Bispo de Digne que vivia com suas duas fiéis irmãs, Bapstitine e Magloire. Um homem que vivia e agia por sua fé, altruísta, sempre preocupado em cuidar das pessoas e difundir seus pensamentos levando o bem e o melhor de sua religião.
O livro tem uma pegada religiosa bem forte e o personagem do Senhor Myriel transmite em sua pureza tudo o que existe de mais belo em sua fé.

Nunca temamos nem os ladrões nem os assassinos. Estes são perigos externos, pequenos perigos. Temamos a nós mesmos. Os preconceitos, esses são os ladrões; os vícios, esses são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. Que importa o que ameaça nossa vida ou nossas bolsas? Preocupemo-nos apenas com o que ameaça nossa alma.

A trajetória dos personagens carrega uma forte crítica política-social. Repare no modo singular (principalmente naquela época) com que o Bispo de Digne tratava alguns temas:

Os erros das mulheres, dos filhos, dos criados, dos fracos, dos indigentes e dos ignorantes são os erros dos maridos, dos pais, dos amos, dos fortes, dos ricos e dos sábios.

Aos ignorantes, ensinem o máximo de coisas que puderem; a sociedade é culpada por não ministrar a instrução gratuita; ela é responsável pelas trevas que produz. Uma alma cheia de sombras, é onde o pecado acontece. A culpa não é de quem pecou, mas de quem fez a sombra.

O encontro do protagonista Jean Valjean, abandonado pela vida, com o Bispo de Digne, também conhecido como Bispo Bienvenu (Bem-vindo), é um divisor de águas. A partir daí, acompanhamos um amadurecimento e uma reviravolta incrível do personagem.
Paralela a história de Jean Valjean, temos a trajetória extremamente delicada da linda Fantine, mãe solteira e sem condições de cuidar de sua filhinha Cosette, se vê obrigada a deixá-la com uma família, os Thénardier. A nova família de Cosette passa a maltratá-la e exigir cada vez mais dinheiro de Fantine para sustentar a criança. É sofrido acompanhar toda alegria, beleza e vivacidade de Fantine ser sugada da maneira mais cruel possível.
A narração onisciente dessa primeira parte, permite uma conversa com o leitor, provocando uma grande reflexão. Em algumas partes, nos sentimos, de certa forma, responsáveis. Quantas Fantines e Cosettes deixamos abandonadas por aí? Como parte da sociedade, somos todos responsáveis.
Que o Bispo Bienvenu toque o coração de cada leitor, assim como ele fez com Jean Valjean!


3. Cosette - Segunda Parte

Victor Hugo retoma aspectos históricos, como a batalha de Waterloo, com riquezas de detalhes. Assim conhecemos aspectos que moldaram a personalidade do personagem Sr. Thénardier e conseguimos compreender um pouco melhor suas atitudes.
Essa parte do livro descreve o destino de Cosette ao lado de Jean Valjean. Sentimos na pele o sofrimento e maus tratos que a pequena garota vivia todos os dias. A crueldade do Sr. e Sra. Thénardier, assim como das filhas - Éponine e Azelma - é de dar nos nervos.
Ver Cosette bem era o que eu mais queria nessa parte... torci e vibrei muito por cada pequena alegria da criança! Mesmo depois de tantos anos de torturas e falta de carinhos, ela manteve sua inocência e sua pureza no coração, deixando desabrochar o amor que nem sabia que podia sentir.
As referências à maternidade nessa parte são bem fortes. “Uma menina sem boneca é quase tão infeliz e tão completamente impossível quanto uma mulher sem filhos.”. Uma alusão ao tema, também aparece quando Jean Valjean consegue cumprir sua promessa a Fantine. Ele resgata Cosette das garras dos Thénardier após 9 meses do falecimento de sua mãe. O sentimento de amor, carinho e cuidado que Jean Valjean tem para com a criança instantaneamente é como o de uma mãe ao ver seu filho pela primeira vez.

Aproximava-se da cama em que ela dormia e tremia de alegria; experimentava espasmos dolorosos como uma mãe, mas não sabia o que era; pois é uma coisa bem obscura e bem terna esse grande e estranho movimento de um coração que se põe a amar.

É muito bacana a maneira que o autor conta a história e retoma personagens que já foram mencionados. Personagens que pareciam sem muita importância na primeira parte, ganham grande destaque agora. Como exemplo, temos Pai Falchelevent que se torna indispensável na vida de Jean Valjean e da pequena Cosette.
Esse método adotado por Victor Hugo de retomar os personagens e aprofundar suas histórias ao longo da obra, deixa o leitor mais íntimo dos fatos, dos protagonistas e cada pedacinho que une e liga os elementos, proporcionando um mergulho vívido no romance.

No momento misterioso em que suas mãos se tocaram, uniram-se. Quando essas duas almas se avistaram, reconheceram-se como necessárias uma à outra e abraçaram-se estreitamente.

Em várias partes do livro, Victor Hugo explicita seus valores e crenças. Faz apontamentos sobre a fé, sobre os ateus, sobre instituições religiosas, etecetera… “O homem ainda vive mais de afirmação do que de pão.”.
A comparação feita entre a cadeia e o convento é interessantíssima. A indignação do autor fica clara e contagia o leitor.

Era um lugar de expiação, e não de castigo, e, no entanto, era ainda mais austero, mais melancólico e mais impiedoso que o outro. Aquelas virgens eram mais duramente humilhadas do que os forçados…


4. Marius – Terceira Parte

Para mim, "Marius" é a melhor parte da obra. Os livros são mais curtos e os personagens que apareceram nas partes anteriores se encontram de maneiras extraordinárias nesse momento. A impressão que eu tive ao ler, foi que o Victor Hugo segurou um funil na história e fez todos os fatos se encontrarem. Os ganchos de um livro para outro não me deixavam largar a leitura.
O jeito que o escritor retoma os personagens é hilário. Ele acha que me engana só por não citar nomes haha… e quando ele resolve fazer a revelação de que tal personagem é realmente aquele que a gente já imaginava desde sempre? Eu fico com vontade de falar: - Ah… jura, Victor? Eu nem tinha ideia hahahaha…
Marius é o protagonista dessa parte, na qual conhecemos sua história desde seu nascimento. Teve uma infância sofrida. Órfão de mãe e afastado de seu pai por seu avô, cresceu sem carinho e sem amor. No início de sua vida adulta conheceu a verdadeira história de seu pai, que nos foi apresentada na segunda parte. O pai de Marius foi coronel na Batalha de Waterloo e teve sua vida salva por Thérnadier.
Marius passou muitos anos procurando o salvador de seu pai para lhe honrar, mas sua procura foi em vão. Nunca achou nenhum rastro!
Lembram-se de nossa pequena Cosette? Claro que ela aparece também, sempre acompanhada de seu “pai”. Cosette agora tem 15 anos e é dona de uma beleza exuberante que arrebata o coração de Marius. Um sentimento totalmente inovador para Marius e é divertido acompanhar suas descobertas.
O destino é a palavra que melhor resume essa terceira parte. E que destino! Fiquei sem fôlego... muitos acontecimentos intensos e reveladores.
Ah, antes que me esqueça, temos muita política mencionada aqui. Característica marcante do Hugo, não poderia faltar os relatos históricos, como por exemplo: discussão sobre Monarquia e República, conflitos de Bonapartistas contra burgueses e a crise de 1830 que gerou muitos bandidos e malfeitores. As dúvidas e as divagações de Marius ajudam o leitor a entender a situação política de vários aspectos. É muito interessante!

O pensamento oculto do poder encontra nas valas o pensamento oculto do povo.


5. O Idílio da Rua Plumet e a Epopéia da Rua Saint-Denis – Quarta Parte

Sem dúvida a mais cansativa, essa parte é mais dedicada ao personagem Gavroche, um menino que cresceu sem amor, sem carinho, rejeitado por seus pais. Vive nas ruas e se vira como pode. Muito esperto e inteligente, ele sempre está em muitos lugares e ajuda a todos. Apesar da fome e de todas as adversidades da vida, Gavroche segue alegre e otimista.
A trajetória de Gavroche cruza com outros personagens importantes da história, o que deixa a trama mais interessante.
A família dos Thérnadier ganha mais um espaço e descobrimos um pouco mais sobre eles e seus filhos. Éponine se destaca e minha desconfiança a seu respeito fica mais aguçada. Será que me enganei com ela?
Encontramos aqui uma detalhada explicação sobre revoltas e insurreições. Com maestria, Victor Hugo também elucida aos seus leitores a respeito da revolução de 1830 e o movimento de junho de 1832.
Um livro inteiro é dedicado a explicações sobre gírias. Provavelmente é um desabafo do autor devido às críticas da época com respeito ao uso da linguagem popular nas obras literárias. O preconceito era grande. A classe mais humilde era totalmente rejeitada e esquecida pela maioria.
A revolta de Victor Hugo sobre a desigualdade é tão nítida em várias partes que chegamos a nos identificar demais, até porque são críticas atemporais. Infelizmente, podemos usar muitos dos seus desapontamentos nos dias atuais.

A parte inferior da civilização, sendo mais profunda e mais sombria, acaso é menos importante que a parte superior? Conhece-se bem a montanha quando não se conhece a caverna?

Aqui também vemos o amor de Marius e Cosette dar mais um passo. A forma que Victor Hugo escreve sobre o romance o torna muito gostoso de ler. “O amor verdadeiro é luminoso como a aurora e silencioso como o sepulcro.”.
A exaltação da mulher é grande na obra inteira, e isso não é diferente nessa parte.

A mulher sente e fala com o suave instinto do coração, essa infalibilidade. Ninguém sabe, como uma mulher, dizer coisas ao mesmo tempo doces e profundas. Doçura e profundidade, eis tudo o que é a mulher; eis tudo o que é o céu.

Além de falar sobre a mulher, a sensibilidade que o autor tem a respeito das crianças e dos idosos também é outro ponto muito relevante.

A miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a uma jovem, a miséria de um velho não interessa a ninguém.


6. Jean Valjean – Quinta Parte


Continuando o motim de Junho de 1832, essa quinta parte encerra a obra de forma magnífica. Cada personagem que trilha a história é retomado, emocionando o leitor profundamente.
Essa parte aborda a determinação, a entrega, a fé, a resiliência, a solidão, o perdão, e, acima de tudo, o amor em sua forma mais pura.
Mais uma vez o autor enaltece a mulher. "Todos os nossos heroísmos provêm de nossas mulheres. Um homem sem mulher é como uma pistola sem gatilho; é a mulher que faz o homem disparar."
Também percebemos um grande respeito quanto a intimidade sexual quando Victor Hugo nos diz o seguinte: "A rigor, podemos introduzir o leitor em um quarto nupcial, mas não em um quarto virginal. O verso apenas o ousaria, a prosa não deve fazê-lo." Magnífico, não?

Amar ou ter amado é o bastante. Não peçam mais nada depois. Não há outra pérola que se possa encontrar nas dobras obscuras da vida. O amor é uma realização.
Quando se ouve a voz de quem se ama, não é preciso entender as palavras que dizem.

Um personagem que reaparece nessa parte e ganha meu coração é o avô de Marius, Sr. Gillenormand. Sim, aquele mesmo que maltratava o neto! Esse vovô conseguiu me arrancar boas risadas. A forma que o autor coloca as falas e os pensamentos do Sr. Gillenormand é genial. Ele é a verdadeira prova de que nem todos conseguem demonstrar seu verdadeiro sentimento. O bloqueio que o Sr. Gillenormand tinha para dizer ao neto como sentia sua falta e como o amava era gigante. Perceber isso em suas falas e seus pensamentos antagônicos me causaram uma mistura enorme de sensações.
“Os filósofos dizem: "Moderem seus prazeres". E eu digo: "Soltem as rédeas de suas alegrias. Apaixonem-se como dois diabinhos. Sejam impetuosos". Os filósofos dizem disparates. Eu gostaria de fazer sua filosofia voltar-lhes goela abaixo." [Gillenormand - Os Miseráveis]
Ao se deparar com a solidão e a falta de amor, o Sr. Gillenormand, já com mais de noventa anos, se transformou em uma nova pessoa. Amoroso, radiante, feliz e de bem com a vida, ele se tornou um dos meus personagens favoritos... depois do Bispo Bienvenu e do Jean, é claro!
É muito difícil falar sobre essa parte sem dar spoilers, portanto vou ficando por aqui!
Espero que esse livro continue tocando o coração de muitos leitores. E que todas as lições sejam refletidas, pensadas e absorvidas.

É algo incrível, ser feliz! Que contentamento! Como parece que isso é o bastante! Como, estando de posse do falso objetivo da vida, a felicidade, se esquece o verdadeiro objetivo, o dever!

É impossível não se emocionar com essa leitura. Vale muito a pena! Ao terminar de ler a última página eu me senti outra pessoa e tenho certeza que com você também será assim! Se você ainda não leu, por favor, Leia!

Morrer não é nada; horrível é não viver.
Beijos, um ótimo voo a todos e até a próxima!